quarta-feira, 24 de outubro de 2007

CARTA A UM COMPANHEIRO DE TRINCHEIRA



CARTA A UM COMPANHEIRO DE TRINCHEIRA





Caro Ricardo Neves Gonlalez.


Vim de ler seu post Estado Nazista, onde critica sua excelência, o digníssimo secretário de segurança do Rio de Janeiro por sua infeliz declaração que desmascarou o Estado.

Sinto-me honrado por tê-lo nesse combate ao lado do bom senso, da ética e da Democracia.

Intolero ditadura e ditadores, de maioria ou de minoria, e qualquer passo que conduza à beira desses abismos.

Muitos morreram para que hoje pudéssemos votar ou dizer que o Presidente da República é um sábio ou uma besta, dependendo da posição crítica ou ideológica de cada um, ou do preconceito onde ele exista.

Por essas razões, para mim não há diferença de pele, de crença, de opção sexual, de classe social, ou outra qualquer: muito menos, claro, econômica e social.

O discurso da mídia, sempre fiel como um cão ao seu dono (e certamente não são os pobres), sempre foi o de apontar a razão de faltar comida no prato, de sofrermos com políticas de educação, de saúde, de habitação, etc. aos “fernandinhos-beira-mar” da vida. Como? Apontando para direção diversa do ponto da estrutura que é responsável por tais aberrações; a total ausência de Justiça Social.

Crimes e criminosos são os melhores anestésicos. Apontam por dias (ou meses) para algum crime rumoroso e o povo, como gado, vai na onda. Claro que crimes como o que ceifou a vida de Tim Lopes, de Gabriela, do menino Hélio, são chocantes. Mas nem mais nem menos chocantes que os que acontecem todos os dias, às dezenas, nessa cidade e, às centenas, pelo país. Iguais.

Então um político vai e legisla por mais pena, outro lá clama pela pena de morte ou pela diminuição da idade para a imputabilidade penal, como se fôssemos acabar com a criminalidade através de mais pena.

O que teria de melhor efeito (mas não solução vez que solução apenas se dará através de Justiça Social), é acabar com a impunidade, pois não há bandido que se imagine sendo preso ou punido e vá, mesmo assim, cometer o ato. Não. O criminoso crê que “vi se dar bem” e não está nem aí se a pena é de 10, 100 anos ou de morte.

Balela pensar que se constrói um estado democrático de direito sem garantia aos direitos fundamentais de todos, incluindo os excluídos.

Mas aquela parte da sociedade formadora de opinião aplaude, como aplaudiu a verborragia nazi-fascista de sua excelência. Aliás, a mesma parte que se quedou inerte nos primeiros anos do golpe de 64 e que somente se mobilizou ao se sentir atingida. Quando matavam jovens na época dos anos malditos, a classe média apenas se insurgiu quando viu serem atingidos...seus filhos.

Hoje, o número jovens mortos subiu milhares por cento. Perto do que aconteceu nos anos duros, o que ocorreu no passado, em termos de morte e de tortura é incomparável. Mas, por serem pobres, apenas ouço um "bandido-bom-é-bandido-morto" como se fôssemos todos idiotas a acreditar que a maioria assassinada é culpada.

A classe média e alta não se insurge e até legitima o ofício.

Claro, enquanto não baterem na sua porta com o coturno e mandar sair todo mundo nu para o meio da Vieira Souto, como se faz com os pobres, na ponta de fuzis.

O governo já assumiu que há cidadãos de segunda classe. Eles, os pobres, que se tornaram "os outros".

Falta agora acabar com a hipocrisia e assumir, como alguns já fazem, que pobre não precisa ser julgado.

Culpado ou inocente, basta ser pobre para legitimar o tiro que lhe derem na cara.

Vem-me à memória parte do poema do niteroiense Eduardo Alves da Costa que muitos atribuem à Maiacósvski (em razão do título:"No caminho com Maiacósvski"):

"Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada"

De minha trincheira, ainda que sozinho (mas sei que conto com milhares como você, de bom senso): certamente não calarei, caro Ricardo.

Prezo muito a Democracia e os que por ela tombaram, para ficar na concha...

Minha admiração e respeito, meu caro.

E, grande abraço!

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2007.

Paulo da Vida Athos.

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