terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Crise e síndrome de Estocolmo (*)

(Publicado originalmente em Carta Capital)


O conservadorismo gostaria de impor a Dilma no Brasil a mesma receita adotada por Mário Monti na Itália.



Equivalente a que os republicanos querem enfiar goela abaixo de Obama nos EUA.



A mesma purga que o comissariado do euro aplica contra as populações da Espanha, Portugal, Grécia, Bélgica etc.



Com as consequências sabidas. 



As urnas revelaram nesta 2ª feira que os italianos preferem Berlusconi ao tecnocrata querido dos mercados. 



Na zona do euro, à exceção da Alemanha, a economia tornou-se uma usina de pobreza, êxodo, despejos, fome e demissões. 



Nos EUA as grandes corporações tem quase US$ 1 trilhão em caixa, mas o desemprego não encoraja investimemtos.



Antes da implosão neoliberal, o fluxo financeiro das corporações somava um déficit equivalente a 3,7% do PIB.



Agora, acumula um superávit de aproximadamente 5% dele. 



O dinheiro ocioso queima como batata quente.



Não há muito o que fazer com ele.



A taxa de juros é negativa; as bolsas de commodities andam de lado. 



A mais lenta recuperação do nível de emprego da história das recessões norte-americanas faz o resto. 



Não há razões para ampliar capacidade produtiva quando a demanda rasteja sob o peso de 8% de taxa de desemprego.



Uma anemia que promete resistir por muito tempo.



Mesmo quem trabalha empobreceu.



O patrimônio das famílias perdeu mais de um terço do valor na recessão.



Quase 90% das riquezas geradas no período seguinte foram drenadas para 1% da população.



Para o caixa das grandes corporações,em especial, onde ardem como batata quente.



A queimadura pode se agravar.



A ortodoxia republicana dobra a aposta no veneno: cobra de Obama o corte de US$ 100 bi em gastos fiscais.



A partir de março.



Outro facão deve decepar mais US$ 1,2 trilhão até o final da década, 'para ajustar as contas do Estado'.



Na jaula pequena da estagnação o que mais prospera é o canibalismo.



A onda de fusões e aquisições em marcha reflete o estreito repertório de opções para o dinheiro graúdo.



Grandes corporações se vampirizam na luta de conquista pela liderança dos mercados quando a crise acabar.



Os avanços tecnológicos compõem a outra jugular em disputa.



Invenções e saltos tecnológicos permitem roubar demanda velha no mercado estagnado. E capturar demanda fresca nas nações em desenvolvimento.



No euro ou nos EUA, o cachorro morde o próprio rabo.



Obama quer regenerar o tônus da economia injetando-lhe alguma expansão de demanda. 



Elevando o salário mínimo, por exemplo, dos atuais US$ 7,25 por hora para US$ 9/h.



Há razões sólidas para isso:



a) nos últimos 40 anos de supremacia neoliberal, o piso salarial norte-americano foi corrigido abaixo da inflação;



b) a atual capacidade de compra do salário mínimo nos EUA é inferior a que existia nos anos 60.



Entende-se por que a crise escava o fundo do abismo. Ele já havia se instalado no metabolismo da sociedade há décadas.



Falcões republicanos dão de ombros e insistem: a chave é o corte do gasto público.



Como se os mercados pudessem se erguer pelos próprios cabelos.



À margem da demanda agregada; sem consumo ou investimento.Público ou privado.



O ambiente internacional carrega assustadora transparência.



Serviria como antídoto ao clamor ortodoxo que prescreve o mesmo óleo de rícino para os desafios do Brasil.



Mas a vacina não age. 



Os canais de transmissão do debate seccionam as interações entre o noticiário internacional e os acontecimentos locais. 



A economia brasileira emite sinais contraditórios.



Vive-se um momento decisivo. 



O investimento ainda se arrasta.



Mas o vigor persistente da demanda e as medidas de incentivo do governo esboçam uma retomada que o jogral conservador quer abortar. 



A qualquer preço. De preferência, com um choque de juros. Para 'cortar a inflação pela raiz'.



A 'raiz' é a demanda popular.



Como se o país que arrastou mais de 50 milhões de cidadãos para fora da pobreza e criou um dos mercados de massa mais pujantes do planeta, pudesse se desfazer desse trunfo e dizer:



"Senhoras e senhores, a viagem acabou; aguardem no meio-fio até passar o próximo bonde da história”.



A viabilidade política dessa baldeação regressiva é zero.



Mas falta o debate consequente que liberte o próprio governo dos termos da equação imposta pela ortodoxia: mais inflação ou menos crescimento. 



Falta o governo livrar-se da 'síndrome de Estocolmo' em relação à mídia dominante. E entender que a informação (plural) é um ingrediente tão importante de um ciclo de desenvolvimento quanto a queda dos juros.



A ver. 



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(*)A expressão 'Síndrome de Estocolmo' designa um tipo de perturbação psicológica desenvolvida por vítimas de sequestro, que passam a nutrir sentimento de lealdade em relaçao a seus algozes.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O que Aécio faria do Brasil que temos hoje?


O que Aécio faria do Brasil que temos hoje?


Encarregado de fazer o contraponto à la carte para a mídia, Aécio Neves sequer roçou a grande pergunta embutida no feixe de avanços sociais e econômicos reunidos pela Fundação Perseu Abramo, para o evento da última 4ª feira, '10 Anos do PT'. 



A pergunta é:



'Se voltasse ao poder, o que o conservadorismo faria do Brasil que temos hoje?'



A omissão não deve ser debitada à superficialidade pessoal do provável candidato tucano em 2014.Colunistas da cota reservada a José Serra sibilam essa interpretação.



Maldade.



O fato de Aécio ter omitido preferências não significa que não as tenha. 



Ele as tem.



São as mesmas dos seus rivais de partido; as mesmas dos vulgarizadores de seu credo na mídia.



As mesmas marteladas pelos professores-banqueiros encarregados de pavimentar a candidatura conservadora até 2014. 



Fácil é defendê-las em artigos acadêmicos. 



Palatável, discorrer sobre elas em colunas dirigidas aos iniciados da mesma igreja.



Complicado assumi-las em uma tribuna pública.



Quase inviável assoalhar um palanque presidencial com o seu conteúdo. 



A tarefa consiste em desqualificar e desautorizar grandezas sociais de uma mutação histórica dificilmente reversível pelas urnas.



Para ir direto ao ponto mais agudo de uma dinâmica inconclusa mas incontrolável:



As favelas brasileiras reúnem 12 milhões de habitantes e formam hoje um mercado de R$ 56 bilhões. 



O equivalente a uma Bolívia.



Não é propaganda do PT. É o resultado da pesquisa feito pelo Data Favela em 2011.



Ela mostra que 65% das populações faveladas pertencem agora ao que se convencionou denominar de nova classe média, ou classe C.



Em 2002 o percentual era de 37%. 



Favela continua sendo favela.





Mas o recheio humano mudou. E aí reside o paradoxo de uma dinâmica infernal para aécios e assemelhados.



O mesmo ocorre nas periferias metropolitanas que continuam sendo periferias conflagradas.



Ou nos bairros distantes que continuam carentes de serviços essencias.



E também nos conjuntos habitacionais, vilas e arruamentos rurais do resto do país. 



Que continuam sendo tratados como resto do país.



A população aí residente saiu do rodapé da renda para o segmento do consumo popular. Representa agora 52% do Brasil.



O dado banalizou-se. 



Mas não a completa extensão do paradoxo político que encerra.



Não o desconforto eleitoral que constrange o discurso do conservadorismo.



A ponto de Aécio recitar frases de efeito que não tem nenhum efeito. 



A ponto de Lula, Dilma e o PT, de um modo geral, apostarem que esse impulso ainda pode encher as velas de mais uma vitória eleitoral. Guiada pela promessa do passo seguinte dessa história: a cidadania plena.



Mesmo difuso e ainda sem projeto --que cabe ao PT esclarecer-- o aceno tem receptividade expressiva. 



Milhões de brasileiros que formariam um país do tamanho da Argentina deixaram de ser meros sobreviventes de um naufrágido de 500 anos.



Chegara à praia. 



Querem mais.



Como dizer-lhes: 'Não, o regime de metas de inflação não comporta vocês'.



Ou, como preferem os professores-banqueiros do PSDB: 



'O populismo petista aqueceu a demanda para além do hiato do produto (potencial produtivo acionável na economia; que eles interpretam como um grandeza inelástica)'.



A receita para reverter o desmando é a plataforma que os tucanos e assemelhados hesitam em explicitar em palanque.



Um lactopurga feito de choque de juros e cortes no salário real; a começar pelo salário mínimo.



Quase tão simples assim.



A dificuldade reside no fato de que o 'voluntarismo petista' consumou um colégio eleitoral que hoje elege sozinho um presidente da República, se quiser.



De modo que o problema não é Aécio. 



Um Aécio careca enfrentaria a mesma dificuldade.



O balanço reunido pelo PT (http://www.fpabramo.org.br/sites/default/files/Folheto_PT_10anos_governo_Net.pdf) envolve escolhas e desdobramentos que vão além das platitudes da má vontade conservadora.



A tal ponto que argui a zona de conforto da própria agenda progressista.



Para que o fim da miséria seja só o começo, como promete a provável bandeira da reeleição da Presidenta Dilma, há perguntas à espera de uma resposta.



Sobre uma delas o governo se debruça exaustivamente nesse momento.



Trata-se de viabilizar um novo ciclo de investimentos que redesenhe os contornos de um país previsto originalmente para acomodar apenas o terço superior da renda.



A nova cartografia escapa às receitas técnicas que seduzem uma parte do governo.



Reequilíbrios macroeconômicos são indispensáveis.



Mas as soluções imaginadas cobram um protagonista social que as legitimem e ferramentas que as executem.



A hegemonia numérica da chamada classe C sobreviveu à crise mundial do capitalismo porque, entre outras coisas, Lula e Dilma colocaram os bancos estatais a seu serviço. 



No ano passado, o Banco do Brasil expandiu em 25% a sua carteira de crédito, à base de agressiva redução dos juros.



A Caixa Econômica Federal ampliou a sua em arrojados 42%.



Para desgosto da mídia que vaticinou prejuízos calamitosos, o BB e a CEF registraram lucros recordes em 2012. 



As taxas de inadimplência foram inferiores às da banca privada que, exceto o Bradesco, viu seus lucros minguarem em relação a 2011.



Bancos estatais dominam agora 47% do mercado de crédito no país.



Dispor de ferramentas autônomas permitiu ao governo criar um fenômeno de consumo indissociável da aspiração por cidadania plena.



Isso mudou a pauta política do país ao dificultar sobremaneira o discurso conservador. 



Qual seria o equivalente na batalha do investimento?



Por enquanto não existe.



Daí as dificildades dilacerantes que empurram o governo de concessão em concessão. Com resultados ainda imponderáveis.



Como compartilhar esse desafio com quem tem mais interesse num desenlace progressista e bem sucedido: milhões de brasileiros à procura de um país onde caiba a sua cidadania?



A cartilha dos '10 anos do PT' deixou esse capítulo em aberto.



Cabe ao V Congresso do partido escrevê-lo em 2014.



Mas é quase tarde. É preciso correr e começar já.

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